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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

LASSALE x HESSE

Antes de iniciar a tarefa de contrapor as idéias de Konrad Hesse e Ferdinand Lassale, farei um breve aparato sobre as obras postas em questão.Contudo, para que o prórpio entendimento da obra seja avaliado no seu melhor parâmetro necessário se faz conhecer um pouco dos autores e o contexto histórico em que se achavam inseridos. Um outro aspecto que já deve estar em mente de todos é de que os respectivos livros são frutos de palestras ministradas pelas ilustres autoridades.
FERDINAND LASSALE
            Nasceu em 1825, daí foi contemporâneo direto de Marx. Em 1862 a Europa estava passando por um período conturbado, contudo. um pouco antes, em fevereiro de 1848, na França, manifestações populares resultaram na insurreição que pôs fim ao governo de Luis Filipe, então apoiado por banqueiros e grandes proprietários, resultando na proclamação da efêmera república golpeada por Luis Bonaparte em 1851, fazendo-se imperador. Tais acontecimentos resultaram em revoltas e insurreições contra o absolutismo em toda a Europa. Era a "primavera dos povos." Levantes ocorreram na Prússia, em Berlim, Viena, Boêmia e na Itália, mas foram todos derrotados e sufocados.
Em 1850, a então Prússia já era uma grande potência econômica e a ascensão de Guilherme I, em 1862 (mesmo ano da palestra de Lassalle), solidificou a liderança do império em toda a região. De 1864 (ano da desastrosa morte de Lassalle) até 1871, Bismarck venceu as guerras contra a Dinamarca, Áustria e França, unificando definitivamente os estados germânicos na poderosa Alemanha. Finalmente, em janeiro de 1871, Guilherme I foi coroado "Kaiser", estava selada a fundação do Segundo Reich na Alemanha.
Não foram em vão, portanto, as revoltas de 1850. Não veio a revolução proletária que tanto queriam Lassalle quanto Marx, mas os tempos eram outros, o absolutismo estava no fim, a burguesia, enquanto classe, tomava também o poder político em toda a Europa e necessitava de segurança jurídica para seus contratos.
No ano de 1862, Lassale proferia em plena Berlim. Esta era a capital e importante centro cultural e industrial da Prússia, poderoso estado germânico da época. Tinha população de 300 mil habitantes em 1850 e, sucessivamente, foi também a capital do Segundo Reich, da República de Weimar e do Terceiro Reich. Em 1848, época das grandes insurreições em toda a Europa, Berlim já contava com grandes indústrias, fábrica de locomotivas, serviços diversos e grande massa de operários. Sendo Lassalle um ativista da revolução socialista, embora entendesse que a revolução do operariado alemão passasse pela unificação através de Bismarck e Guilherme I, da Prússia, evidente que não se dirigia, quando proferiu sua palestra, a autoridades do governo monárquico ou a banqueiros, grandes proprietários e industriais da Prússia.
Consoante o próprio Lassale :
Antes de entrar na matéria, porém, desejo esclarecer que a minha palestra terá caráter estritamente científico; mas, mesmo assim, ou melhor, justamente por isso, não haverá entre vós uma única pessoa que possa deixar de acompanhar e compreender do começo até o fim o que vou expor.”
o próprio formato e didatismo do texto demonstram claramente que Lassalle estava se dirigindo a um público não muito familiarizado com a terminologia jurídica. É um diálogo ilustrativo e acessível ao mais rude dos operários da Berlim prussiana de 1862.
KONRAD HESSE
Hesse nasceu em 1919, na mesma cidade em que nasceu Kant, Königsberg, na Prússia Oriental, atual Kaliningrado, na Rússia. Concluiu o curso de Direito na Universidade de Göttingen, também na Alemanha, em 1950. Foi professor de Direito Público e Eclesiástico da Universidade de Freiburg, Alemanha, e presidente da Corte Constitucional Alemã.
Sua obra – A força normativa da Constituição – é resultado de palestra proferida em aula inaugural da Universidade de Freiburg, em 1959. A tradução é do Ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, em comemoração ao centenário da Faculdade de Direito da Bahia, em 1991.
Ao fim da segunda guerra, a Europa estava destruída: além dos estragos causados pelos bombardeios, a fome, o desemprego, falta de alojamento para os refugiados, agitação social e o endividamento dos países ameaçavam a estabilidade do sistema capitalista. Nas conferências de Yalta e de Postdam, em 1945, os aliados dividiram a derrotada Alemanha do Terceiro Reich em quatro partes (Americanos, Britânicos, Franceses e Soviéticos). O medo do "fantasma do comunismo" impulsionou a formação da República Federal da Alemanha, na parte que coube aos aliados ocidentais, e sua reconstrução em bases capitalistas, enquanto a então União Soviética proclamava, em 1949, na área de sua ocupação, a República Democrática Alemã, sendo mais tarde a mesma Berlim de Marx e Lassalle dividida por um muro. Deu-se início à "guerra fria" e a formação da OTAN e do Pacto de Varsóvia. De um lado, Estados Unidos e aliados da Europa; de outro, a União Soviética e seus países satélites.
Tem-se, portanto, na década de 50, de um lado, um novo império intervencionista, conservador e reacionário – Os Estados Unidos; de outro, a União Soviética estatizada e governada punhos de ferro por Stálin; no meio, uma Europa destruída pela guerra e em reconstrução física e cultural, mas sob a hegemonia americana.
Ainda nos escombros da guerra e com a Alemanha dividida, pela guerra-fria, a grande novidade legislativa, na parte ocidental, em 1949, é a Lei Fundamental de Bonn, a nova Constituição Alemã, seguida da criação do Tribunal Constitucional, em 1951. Nessa onda, irá surgir a Constituição Italiana em 1947 e também sua Corte Constitucional, em 1956.
Nessa conjuntura, evidentemente, a Constituição a que se refere Konrad Hesse, em 1959, não é exatamente a mesma Constituição a que se refere Ferdinand Lassalle, em 1862.
Por fim, a aula inaugural proferida por Hesse, na Universidade de Freiburg, em 1959, certamente não foi prestigiada por operários rudes ou militantes revolucionários. Certamente, sua platéia era composta por estudantes de Direito, advogados, promotores e juízes recém saídos de uma guerra e que agora necessitavam de um Estado Democrático de Direito que garantisse os direitos fundamentais de todos os cidadãos da Alemanha e, sobretudo, que protegesse o Estado de novas aventuras.
LASSALE x HESSE
No seu livro, Lassale diz:
‘’A Constituição de um país é, em síntese, a soma dos fatores reais do poder que regem esse país’’. (p.42).
‘’Reúnem-se os fatores reais do poder, dá-se-lhes expressão escrita e, a partir desse momento, não são simples fatores reais do poder, mas verdadeiro direito. Quem contra eles atentar viola a lei e, por conseguinte, é punido. Conhecemos ainda o processo utilizado para converter tais escritos em fatores reais do poder, transformando-se dessa forma em fatores jurídicos’’. (p.42).
‘’Está pois demonstrada a relação que guardam entre si as duas Constituições de um país: essa Constituição real e efetiva, composta pelos fatores reais e efetivos que regem a sociedade e essa outra Constituição escrita que, para distinguir da primeira, vamos denominar de folha de papel’’. (p.47).
‘’Quando se pode afirmar que uma Constituição escrita é boa e duradoura? A resposta é clara e parte logicamente do que já consideramos: Quando essa Constituição escrita corresponder à Constituição real e tiver as suas raízes nos fatores do poder que regem o país’’. (p.56).

Com base nesses três excertos, pode-se afirmar que os fatores reais de poder são aqueles que regem a sociedade. Reunindo-os em expressão escrita, convertem-se em direito. Existem, pois, a Constituição real e efetiva – fatores de poder – e a Constituição escrita – folha de papel –. O caráter duradouro de uma Constituição escrita se dá na medida em que corresponde à Constituição real.
Segundo a tese de Ferdinand Lassale, as questões constitucionais não são jurídicas, mas sim políticas. Isso ocorre porque a constituição expressa as relações de poder dominantes em um país. As relações fáticas resultantes da conjugação destes fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem só a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder. Esses fatores reais do poder formam a constituição real do país. Na visão de Lassale, a constituição jurídica é apenas um pedaço de papel, e sua capacidade de motivar e regular limita-se à sua compatibilidade com a constituição real.
Lassale, numa visão sociológica da Constituição, chegou a assentar que ela seria simplesmente uma “folha de papel” , visto que a sociedade não poderia ser usurpada de sua soberania em virtude de um texto a que denominavam de Maior.
Ainda, na Europa, o dogma da legalidade, legado da Revolução Francesa, reinava absoluto, até o início do século XX, quando do advento das idéias de Hans Kelsen, das quais se extraía a noção de que as normas têm hierarquia entre si, começando pela fundamental, logo abaixo, a Constituição, e, abaixo, os demais atos, inclusive as leis.
Hesse, contrapõe-se ao posicionamento de Lassale, lança as bases da teoria que se intitulou Força normativa da constituição. Segundo Hesse, a Constituição não é e não deve ser um subproduto mecanicamente derivado das relações de poder dominantes, ou seja, sua força normativa não deriva unicamente de uma adaptação à realidade, mas, antes, de uma vontade de constituição.
Sem desprezar a importância das forças sócio-políticas para a criação e sustentação da Constituição jurídica (folha de papel para Lassale), Hesse sugere a existência de um condicionamento recíproco entre a Lei Fundamental e a realidade político-social subjacente.
            Hesse faz com que o leitor questione sobre o papel da Constituição, em seu sentido mais sublime, inclusive em momentos de sua maior prova: quando da necessidade e crise extrema. Ele o faz na medida em que abre um caminho conciliador entre as radicais posições, quais sejam: normativa de um lado, e de outro diametralmente oposto, espelho das relações entre os fatores reais de poder.
            Tal como afirmado por Hesse, a Constituição somente se converterá em força ativa quando se fizer presente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só a vontade de poder, mas também a vontade de constituição.
            A partir destes estudos, não só analisados pelo meu prisma, mas também através de renomados doutrinadores, percebe-se que não há uma real contrariedade quanto ao proposto por Lassale e o proposto por Hesse. Quanto ao conteúdo há sim essa disparidade, entretanto, quando analisado o contexto histórico vivido por cada um, vê-se que existe toda uma razão de ser para o que cada um propôs.
            Não se deve só analisar o conteúdo isolado, pois este terá um significado restrito, mas sim observando-se o que influênciou para que se chegasse a tal pressuposto.
            Baseando-se nestes pontos, observo que do ponto de vista didático há sim essa diferença, contudo, quando se aprofunda na questão e vamos além do que está escrito, vemos a influência que a realidade de cada um tomou em suas posições ideológicas.
           
ACADêMICA: REBECA SANTIAGO DE SOUSA




                                                   

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