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domingo, 4 de maio de 2014

Como saber se o plano de saúde é obrigado a cobrir meu tratamento?

Esclarecimentos simples para sanar as dúvidas a respeito da cobertura obrigatória dos planos de saúde.
Muito embora os planos de saúde defendam que determinados tratamentos não são cobertos, essa argumentação não passa de "balela".
Na verdade quando contratamos um plano de saúde, estamos contratando um seguro para determinadas doenças e não um seguro para pagamento de determinados tratamentos, assim, não escolhemos qual tratamentos teremos (até porque é impossível saber prever o futuro e adivinhar que doenças teremos), mas, conforme dito, as doenças que serão cobertas.
Dai surge a dúvida se a doença é, ou não coberta por seu plano de saúde. 
Bom, para saber essa resposta, NÃO perca tempo lendo e relendo aquele monte de baboseira que está escrita no seu contrato! Melhor que ler o contrato, é ler a lei que rege o contrato.
A Lei 9656/98, estabelece que o plano é obrigado a assegurar cobertura de tratamento para TODAS as doenças elencadas na CID-10 (que é o catálogo internacional de doenças; repare que quando o médico dá um diagnostico, em algum lugar do documento estará escrito CID e um código do lado).Dessa forma, as doenças catalogadas na CID, tem cobertura do plano de saúde. 
Ou seja, caso o leitor esteja diante de alguma negativa do plano de saúde e queira saber se aquele tratamento é coberto ou não, basta fazer o seguinte passo a passo:
  1. 1) verifique se a data de diagnostico é posterior a assinatura do contrato (afinal, não dá para exigir que eles custeiem o tratamento de uma doença pré existente, lembre que estamos falando de um seguro e, a exemplo do seguro de carros, se o seu veiculo estiver danificado, este dano não será reparado pela seguradora);
  2. Certifique-se que os pagamentos estão em dia;
  3. Verifique se a sua doença tem código na CID (procure nos papéis que o médico entregou, se não encontrar, fale com seu médico e peça para ele um relatório em que conste a CID da doença);
Se nos 3 quesitos a resposta for sim, o Superior Tribunal de Justiça (3ª Instância - Brasilia), tem o seguinte recado para você: “O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura.” (REsp 668.216/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 15/03/2007), portanto, exija seus direitos na Justiça. Não tenha medo de processar seu plano de saúde, porque eles (do plano) não tem medo de te deixar morrer a espera de um tratamento que eles não vão pagar e você tem direito. É sua vida e saúde que estão em jogo!
MAS, e se o tratamento que o leitor precisa estiver na exceção da cobertura obrigatória estabelecida no art. 10, da Lei 9656/98, ou seja, se estiver em algum das hipóteses estabelecidas nos incisos I a X do mencionado artigo? Ou seja, se o paciente precisar de um MEDICAMENTO EXPERIMENTAL, importado, de alto custo, ou que não consta no Rol da ANS ou ANVISA, ou mesmo quimioterápico oral ou home care, o que fazer????
Nesses caso, o segredo para conseguir na Justiça que o plano custeie os tratamentos excluídos pela própria lei, está nos documentos médicos. Sim! nos relatórios e laudos médicos, é com base neles que obtemos vitorias judiciais desse tipo:
Plano de saúde. Câncer. Quimioterapia. Medicamentos (docetaxel e ondansetrona) dados por experimentais (off label) pela empresa de convênio, ao argumento de não serem adequados para o estágio da doença da conveniada. Ré que pretende se imiscuir no mérito da prescrição médica e avaliar por si própria a pertinência do tratamento. Conduta incompatível com a natureza e objeto do contrato vigente. Tutela antecipada reiterada também quanto à obrigação de custeio nesse particular. Presença dos requisitos legais. Agravo da ré desprovido (TJSP Agravo de Instrumento n° 0065174-73.2011.8.26.0000, Des. rel. Fábio Tabosa, j. 21.06.2011).
E se a DOENÇA for PREEXISTENTE? É possivel conseguir cobertura para o tratamento?
A resposta é: Depende! Depende dos documentos médicos que você tiver e, uma resposta precisa só podemos dar analisando caso a caso.

Autor

  • Francisco Tadeu Souza

    Advogado especialista em Direito Médico, graduado pela PUC/SP e pós graduado pela Faculdade de Medicina do ABC, atuante em defesa de médicos perante os conselhos de classe e em ações cíveis e penais que tratem de erro médico, bem como em ações de pacientes contra planos de saúde e contra o estado para obter medicamentos (importados, experimentais e de alto custo) e tratamentos médicos.

    Autor do Blog Direito Médico:
    http://blogdireitomedico.blogspot.com.br/
    https://twitter.com/blogdireitomed
    https://www.facebook.com/pages/Blog-Direito-M%C3%A9dico/850240848324692


Leia mais: http://jus.com.br/artigos/28177/como-saber-se-o-plano-de-saude-e-obrigado-a-cobrir-meu-tratamento#ixzz30n6dx1NG

sábado, 22 de março de 2014

Questionamentos

1. Comprei um imóvel na planta e no contrato há uma cláusula que dá à construtora o direito de atrasar a obra em até 180 dias. Isto é permitido?
R.: Não. O Procon considera esta cláusula abusiva, portanto nula de pleno direito.
2. A obra está atrasada e eu quero cancelar o contrato, tenho direito de receber o meu dinheiro de volta?
R.: Sim. Em caso de atraso da obra, o consumidor que quiser cancelar o contrato tem direito a receber de volta tudo que pagou, corrigido monetariamente.
O consumidor tem ainda direito de ser ressarcido por eventuais gastos causados pelo atraso na entrega das chaves, como aluguel, por exemplo.
3. Ainda não recebi as chaves e o condomínio está sendo cobrado. Essa cobrança é permita?
R.: Se o atraso na entrega das chaves não estiver relacionado a problemas com a documentação do consumidor para assinatura do contrato de financiamento, a cobrança de condomínio é indevida.
4. A construtora pode impor pagamento de taxas de assistência jurídica e de interveniência ?
R.: A construtora não pode impor a cobrança de taxa de assistência jurídica ou assistência técnica imobiliária. O serviço só pode ser cobrado se for solicitado pelo consumidor. A empresa deve informar de maneira clara em que consiste tal prestação de serviço e o valor a ser pago pelo contratante.
A taxa de interveniência, cobrada quando consumidor escolhe outro banco para fazer o financiamento, que não o indicado pela construtora também é considerada abusiva.
5. O consumidor é obrigado a pagar taxa de corretagem?
R.: O corretor de imóveis é o profissional que realiza a negociação entre duas partes: o consumidor (comprador) e o fornecedor (empreendedor/vendedor). A comissão de corretagem é o pagamento pelo serviço prestado. Normalmente cabe ao vendedor do imóvel a responsabilidade pelo pagamento da corretagem, salvo se o comprador optou pela contratação deste profissional.
Na maior parte das vezes o vendedor tenta transferir a despesa para o comprador, estipulando em contrato que a obrigação de pagamento será do consumidor. Isso é abusivo. Portanto, é proibida a cobrança da comissão de corretagem nos lançamentos imobiliários, nos quais o consumidor se dirige diretamente ao local de venda (estandes) para aquisição do imóvel.
7. Os panfletos de publicidade devem ser guardados após ser concretizada a compra?
R.: Sim. É importante guardar todos os prospectos publicitários do imóvel, para garantir o cumprimento da oferta por parte da empresa.
De acordo com o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor, “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
8. Quais os cuidados ao assinar o contrato de compra e venda?
R.: Alguns cuidados devem ser observados antes de assinar o contrato de compra e venda. São eles:
- Somente realize o negócio com a intermediação de um corretor de imóveis devidamente inscrito no CRECI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis);
- Leia atentamente o contrato e caso haja dúvidas, procure a orientação de um órgão de proteção e defesa do consumidor ou de um advogado especializado;
- O contrato deve ter a qualificação e endereço das partes, nome e localização do empreendimento, número e data do registro, localização completa da área do imóvel, área útil e comum da unidade, preço, prazo, valor do sinal, forma e local de pagamento e taxas de juros de financiamento e de mora;
- Exija o contrato de compra e venda devidamente assinado pelas partes e por duas testemunhas;
9. O banco que financiará o imóvel pode condicionar a liberação do crédito à abertura de conta corrente ou contratação de outros produtos e serviços?
R.: Não. Essa prática é a denominada "venda casada", considerada abusiva e proibida pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor .
10. Os contratos podem sofrer reajustes durante o período da obra
R.: Sim. Essas informações devem estar contidas no contrato de forma clara, precisa e ostensiva. Durante a construção, o índice a ser aplicado geralmente é o indicador da evolução dos custos da construção civil (principalmente o INCC - Índice Nacional de Custo da Construção). Após a construção/entrega das chaves, o índice será o estabelecido com a construtora ou com o agente financeiro, o que deve ser informado previamente.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

DIREITO AMBIENTAL E CIVIL. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL DECORRENTE DA NÃO CONCESSÃO DE AUTORIZAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE DESMATAMENTO E QUEIMADA.

Não gera dano moral a conduta do Ibama de, após alguns anos concedendo autorizações para desmatamento e queimada em determinado terreno com a finalidade de preparar o solo para atividade agrícola, deixar de fazê-lo ao constatar que o referido terreno integra área de preservação ambiental. Isso porque a negativa da autarquia recorrente em conceder novas autorizações para queimada e desmatamento constitui a harmonização de dois valores constitucionais supremos: de um lado, o desenvolvimento do trabalho rural como fator de dignificação da pessoa humana, de erradicação da pobreza e de valorização do núcleo familiar; de outro, a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como condição de continuidade do desenvolvimento da própria atividade rural. Diante das inúmeras implicações negativas que o uso do fogo traz ao meio ambiente em geral, não se pode considerar que atenda à função social a exploração da terra que provoque danos à saúde, empobrecimento gradual do solo, perda de biodiversidade, danos à rede de transmissão elétrica, entre outros, pois essas “externalidades” não preenchem as exigências do art. 186, I e II, da CF. Com efeito, o atendimento pleno da função social da propriedade requer que a propriedade seja aproveitada de modo racional e adequado, os recursos naturais disponíveis sejam adequadamente utilizados e a preservação do meio ambiente seja observada. Desse modo, o art. 186 está perfeitamente harmonizado com os arts. 5º, XXII, e 225 da CF, pelos quais o agricultor não se escusa do dever de preservar o meio ambiente a pretexto de exercer seu direito constitucional de propriedade. Isso porque, ao mesmo tempo em que o art. 225 da CF prevê a titularidade coletiva do direito ao meio ambiente, determina também que é dever de toda a sociedade defendê-lo e preservá-lo, nela incluído, portanto, o próprio agricultor, que está constitucionalmente comprometido com a exploração sustentável da agricultura. Como se pode depreender, o agricultor é simultaneamente agente agressor do meio ambiente e titular do direito difuso à preservação ambiental contra suas próprias técnicas agropastoris. Assim, não se legitima a pretensão indenizatória que busca responsabilizar o Poder Público por proteger o próprio agricultor – na qualidade de titular coletivo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – contra os danos provocados pelas suas próprias técnicas de plantio. Além disso, a simples vedação da utilização de técnica degradadora no preparo do solo não impede que se dê continuidade à atividade agrícola com o uso sustentável de técnicas alternativas à queima e ao desmatamento. A excepcionalidade do emprego do fogo leva à inarredável conclusão de que se trata de uma técnica de uso residual, subsidiário, devendo ser preferidas as formas de preparo do solo que privilegiem a exploração agrícola sustentável. Ademais, a concessão de autorização para queimada e desmatamento nos anos anteriores não gera um direito para o agricultor, pois a negativa configura nítido exercício do poder de autotutela (Súmula 473 do STF), por meio do qual a Administração Pública busca justamente recompor a legalidade do ato administrativo. Por fim, ganha substancial relevo o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, porque a limitação imposta pelo Poder Público quanto à forma de exploração da propriedade constitui medida restritiva a um direito individual que, todavia, reverte positivamente em favor de um direito de titularidade difusa – o meio ambiente. Posto isso, a eliminação dos fatores de agressão ao meio ambiente, muito antes de obstar a exploração agrícola ou mesmo reduzir sua produtividade, objetiva, justamente, garantir a existência de condições futuras para a continuidade do desenvolvimento da atividade de campo. REsp 1.287.068-RR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 10/9/2013.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon

Senacon

A Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, criada pelo Decreto 7.738, de 28 de maio de 2012, é o órgão federal responsável pela coordenação da Política Nacional das Relações de Consumo, pela integração dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, bem como pela representação da Defesa do Consumidor do Brasil em âmbito internacional.

As atribuições da Senacon estão estabelecidas no Art. 106 do Código de Defesa do Consumidor e no Art. 3º do Decreto n° 2.181/97, com os seguintes objetivos: (i) garantir a proteção e exercício dos direitos consumidores; (ii) promover a harmonização nas relações de consumo; e (iii) incentivar a integração e a atuação conjunta dos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).

A Senacon também promove a defesa do consumidor junto aos órgãos e Agências Reguladoras responsáveis pelo controle, fiscalização e gestão de políticas específicas dos setores sobre os quais têm competência.

No que se refere à investigação de violações às normas de defesa do consumidor, a atuação da Secretaria Nacional do Consumidor, concentra-se no tratamento de denúncias e reclamações de repercussão geral e impacto nacional, assim como consultas ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado.

A Secretaria também representa os interesses dos consumidores brasileiros e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) junto a organizações internacionais, como MERCOSUL, Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outras.

Conheça o Decreto 7.738/2012

PLANDEC

A ampliação do acesso a bens e serviços e os novos desafios da sociedade de consumo levaram o Governo Federal a instituir o Plano Nacional de Consumo e Cidadania – Plandec com o fim de promover a proteção e defesa dos consumidores em todo o território nacional, como política de Estado.

O Plandec reúne diversas instituições e órgãos do governo federal com os objetivos de prevenir e reduzir conflitos, aprimorar a regulação e fiscalização de serviços regulados e promover o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor com as seguintes diretrizes: educação para o consumo; adequada e eficaz prestação dos serviços públicos; garantia do acesso do consumidor à justiça; garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; fortalecimento da participação social na defesa dos consumidores; prevenção e repressão de condutas que violem direitos do consumidor; e a autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico.

Para a gestão e implementação do Plandec, foi criado o Conselho de Ministros, coordenado pelo Ministério da Justiça e um Observatório das Relações de Consumo, com as atribuições de promover estudos e formular propostas e acompanhar a execução de suas respectivas políticas, programas e ações.

O Plandec conta, ainda, com a colaboração e participação de todos os setores da sociedade brasileira, desde o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que reúne os Procons, as Entidades Civis, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, até os Poderes Legislativo e Judiciário, estados e municípios, órgão reguladores, o mercado e especialmente o próprio cidadão consumidor.

Observatório Nacional das Relações de Consumo tem atuado nos seguintes temas: Consumo e Regulação, Consumo e Turismo e Consumo e Pós-Venda, temas construídos, inclusive, conforme o diagnóstico obtido a partir dos registros de atendimentos realizados pelos Procons integrados ao Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, SINDEC.

De forma a aperfeiçoar a efetividade do direito do consumidor na mesma ocasião do lançamento do Plandec foi firmada Cooperação Nacional pela proteção ao consumidor e acesso à justiça entre o Ministério da Justiça o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais e o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Fonte: http://www.justica.gov.br/portal/main.jsp?lumPageId=2C9181D2405A92C0014150690BC75EE4&lumItemId=2C9181D24157241001417018A51730A0&previewItemId=2C9181D24157241001417018A517309F

domingo, 24 de novembro de 2013

O tratamento que a Justiça dá ao paciente com câncer

18 de novembro de 2013 15:10 - Atualizado em 18 de novembro de 2013 15:10

STJConheça as normas brasileiras que prevêem tratamento diferenciado ao doente de câncer

  
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Apesar de ser uma doença cada vez mais recorrente e seu tratamento evoluir a cada dia, a notícia do diagnóstico de câncer choca e amedronta. E o universo de pessoas que enfrentam essa luta tende a crescer. Artigo publicado em abril passado na revista médica The Lancet revelou que o Brasil terá um aumento de 38% no número de casos de câncer durante esta década. Em 2020, deverão ser mais de 500 mil novos casos por ano no país.
O exercício de direitos previstos em lei e reconhecidos pela jurisprudência pode ser um estímulo ao paciente na busca por mais qualidade de vida e enquanto os sintomas perdurarem. Diversas normas brasileiras preveem tratamento diferenciado ao doente de câncer, como isenção de tributos, aposentadoria antecipada e acesso a recursos financeiros especiais.
A prioridade na tramitação de processos de interesse de pessoas com doenças graves, como o câncer, em todas as instâncias, está prevista no Código de Processo Civil (CPC). No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a jurisprudência traz relatos de diversas teses que dizem respeito aos pacientes oncológicos.
Isenção do IRPF
Ao lado do direito à aposentadoria por invalidez, o benefício da isenção de pagamento de Imposto de Renda sobre aposentadoria está entre os mais conhecidos pelos doentes de câncer. O dado é da pesquisa O conhecimento dos pacientes com câncer sobre seus direitos legais, realizada pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) e publicada em 2011. A mesma pesquisa ainda dava conta de que 45% dos pacientes desconheciam qualquer direito.
O STJ já tem jurisprudência firmada em recurso repetitivo no sentido de que o paciente oncológico faz jus à isenção do imposto sobre seus proventos (REsp 1.116.620). A doença está listada no artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88.
Recentemente, no julgamento do AREsp 198.795, a Segunda Turma definiu que o juiz é livre para apreciar as provas dos autos e não está adstrito ao laudo oficial para formação do seu convencimento sobre a ocorrência de câncer, na hipótese de pedido de isenção de IR. No caso, a Fazenda Nacional recorreu de decisão da segunda instância que concedeu o benefício.
A paciente havia se submetido à retirada de mama em razão de câncer. Para o STJ, sendo incontroversa a ocorrência da neoplasia maligna, é reconhecido o direito à isenção independentemente do estágio da doença, ou mesmo da ausência de sintomas.
A Primeira Turma tem o mesmo entendimento. Em 2008, ao julgar o REsp 1.088.379, o ministro Francisco Falcão ressaltou que, ainda que se alegue que a lesão foi retirada e que o paciente não apresenta sinais de persistência ou recidiva da doença, o entendimento no STJ é de que a isenção do IR em favor dos inativos portadores de moléstia grave tem como objetivo diminuir o sacrifício do aposentado, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas.
Outro ponto debatido na Corte diz respeito ao prazo para requerer a devolução do imposto descontado indevidamente. Ao julgar o REsp 1.215.188, a Segunda Turma reconheceu a natureza tributária do debate e aplicou o artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual o direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos.
Proventos integrais
Se o paciente de câncer for considerado permanentemente incapaz para trabalhar, tem direito a aposentadoria antecipada. A exceção é para o caso de quando a doença já existir quando o trabalhador ingressar na Previdência Social. É a perícia do órgão que constata essa incapacidade. Se o aposentado por invalidez ainda necessitar de assistência permanente de outra pessoa, a depender da perícia médica, o valor do benefício será aumentado em 25% a partir da data do pedido, ainda que o valor ultrapasse o limite máximo previsto em lei.
Em setembro passado, a Primeira Seção concedeu aposentadoria por invalidez com proventos integrais a um servidor público acometido por câncer (melanoma). O servidor já havia obtido o benefício da isenção de IR. O relator, ministro Herman Benjamin, observou que tanto a aposentadoria integral como a isenção do Imposto de Renda decorrem de um mesmo fato comum (doença grave) e são benefícios inspirados por razões de natureza humanitária (MS 17.464).
Assim, afirmou o ministro, não há incompatibilidade na concessão simultânea de ambos os benefícios, especialmente se considerado que a própria lei estabeleceu que a isenção recai, precisamente, sobre os proventos de aposentadoria – a lei não previu isenção sobre os vencimentos de trabalhador ativo.
Levantamento do FGTS
A Lei Complementar 110/01 admite o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em única parcela, aos pacientes com câncer, independentemente do tipo e da gravidade. O mesmo vale para o saque do PIS/Pasep. Em 2002, o direito aplicado à neoplasia maligna foi, inclusive, estendido pelo STJ a pacientes com Aids, no julgamento do REsp 387.846.
Naquele julgamento, o relator, ministro Humberto Gomes de Barros, reafirmou que, sendo o doente de câncer ou Aids dependente, os pais trabalhadores podem sacar o FGTS (artigo 20, XI, da Lei 8.036/90 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036compilada.htm). O pedido deve ser feito em uma agência da Caixa Econômica.
Seguro prestamista
O chamado seguro prestamista serve para o pagamento de saldo devedor de financiamentos adquiridos pelo segurado, em caso de morte ou invalidez. O STJ decidiu que a seguradora não pode se eximir do dever de pagamento da cobertura securitária, sob a alegação de omissão de informações por parte do segurado, se dele não exigiu exames médicos prévios à contratação do seguro. A tese está exposta no acórdão do REsp 1.230.233, analisado em 2011.
No caso, a seguradora foi obrigada a quitar o contrato de financiamento habitacional contratado por uma paciente com câncer de mama. Posteriormente, ela morreu por outra causa atestada em laudo, mas a Caixa Consórcios alegou que haveria a neoplasia preexistente e recorreu até ao STJ para tentar ser eximida do pagamento do seguro à filha da contratante.
Doença preexistente
Já em outro caso julgado este ano pela Terceira Turma (REsp 1.289.628), o STJ rejeitou recurso apresentado pela viúva e filhas de um segurado, falecido vítima de liposarcoma. Elas pleiteavam o pagamento de R$ 300 mil referentes ao seguro de vida.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, diante das provas do processo, reconheceu que, ao preencher o questionário sobre suas condições de saúde, o segurado deixou de prestar declarações verdadeiras e completas quanto à existência de doença grave por ele conhecida. Nessa hipótese, ficou caracterizada a má-fé, que afasta o direito da indenização securitária.
No STJ, o ministro Villas Bôas Cueva esclareceu que, segundo a jurisprudência do Tribunal, a seguradora pode alegar tratar-se de doença preexistente apenas se houver prévio exame médico, o que não ocorreu na hipótese, ou prova inequívoca da má-fé do segurado. Essa última situação foi constatada pelas instâncias anteriores, e o STJ não pode rever provas quando analisa um recurso especial (Súmula 7).
Para o ministro, uma vez reconhecida a má-fé do segurado na contratação do seguro, não há motivo para cogitar o pagamento da indenização. Embora o segurado tenha afirmado naquele momento que não ostentava nenhuma das doenças elencadas no questionário, as instâncias ordinárias entenderam que ele já tinha ciência de que era portador de um tipo de câncer com alto índice de recidiva.
Cobertura
Ao julgar o REsp 519.940, a Terceira Turma determinou que o plano de saúde cobrisse as despesas com a colocação de prótese para corrigir a incontinência urinária em um homem que havia retirado a próstata em razão de câncer.
Na ocasião, os ministros concordaram que, se a necessidade da prótese decorre de cirurgia coberta pelo plano, a seguradora não pode se valer de cláusula que proíbe a cobertura.
Dano moral presumido
O STJ garantiu o pagamento de indenização por dano moral a um segurado que teve recusado o custeio de tratamento de câncer pelo plano de saúde (REsp 1.322.914). A Terceira Turma atendeu ao recurso do segurado, aplicando a teoria do dano moral presumido (in re ipsa), que dispensa a demonstração de ocorrência do dano. O julgamento reverteu decisão de segunda instância e restabeleceu o valor de R$ 12 mil fixado na sentença para a indenização.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que “sempre haverá a possibilidade de consequências danosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto física como psicológica”.
Para a ministra, é possível constatar consequências de cunho psicológico, sendo dispensável, assim, a produção de provas de ocorrência de danos morais. Para a Terceira Turma, a injusta recusa de cobertura de seguro de saúde agrava a situação de aflição psicológica do segurado, visto que, ao solicitar autorização da seguradora, ele já se encontrava em condição de abalo psicológico e saúde debilitada.
Reconstrução da mama
A discussão sobre o caráter da cirurgia de reconstrução de mama retirada em razão de câncer – se estética ou reparadora – é recorrente nos tribunais. Para o STJ, é abusiva a cláusula que exclui da cobertura a colocação de próteses em ato cirúrgico coberto pelo plano de saúde, conforme definido nos incisos I e VII do artigo 10 da Lei 9.656/98, ofendendo o inciso IV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, salvo se empregadas para fins estéticos ou não ligadas ao ato cirúrgico.
Ao julgar o REsp 1.190.880, a ministra Nancy Andrighi condenou a Bradesco Saúde a pagar R$ 15 mil como indenização por dano moral a uma segurada. Ela teve de se submeter à retirada de mama, mas ante a recusa do plano, viu-se obrigada a dar cheque sem fundos ao hospital. Posteriormente, conseguiu na Justiça a compensação pelo valor despendido no procedimento (R$ 32 mil), mas somente o STJ veio a reconhecer a ocorrência do dano moral.
“À carga emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia, mas também acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal e abusiva”, refletiu a relatora.
Fornecimento de medicamentos
Em diversos julgamentos, o STJ ratificou entendimento de outras instâncias de que é solidária a responsabilidade dos entes federativos em relação ao dever de fornecer medicamentos aos usuários do SUS. “A responsabilidade em matéria de saúde, aqui traduzida pela distribuição gratuita de medicamentos em favor de pessoas carentes, é dever do estado, no qual são compreendidos todos os entes federativos”, afirmou a ministra Eliana Calmon no julgamento do AREsp 306.524.
O caso tratava de fornecimento gratuito de suplemento nutricional denominado prosure e isossoure a um grupo de portadores de câncer, por no mínimo seis meses, uma vez que se encontravam inválidos e em tratamento domiciliar. A condenação recaiu sobre o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Ceará, e ambos recorreram ao STJ, sem sucesso.
O STJ também tem diversos precedentes que consideram abusiva a cláusula contratual que exclui da cobertura do plano de saúde o fornecimento de medicamento para quimioterapia, tão somente pelo fato de ser ministrado em ambiente domiciliar.
Ao julgar o REsp 183.719, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que a exclusão de cobertura de determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato.
Em outra decisão (AREsp 292.259), o ministro Raul Araújo salientou que a seguradora não pode alegar desequilíbrio do contrato se há previsão para cobertura da doença. “Não importa se o medicamente deve ser aplicado na residência do paciente ou no hospital, o fato é que ele é destinado ao tratamento da doença, tendo assim cobertura”, afirmou o ministro.
Posse em concurso
No julgamento do AREsp 76.328, em 2011, o ministro Cesar Asfor Rocha (hoje aposentado) entendeu ser impossível rever fatos e provas a ponto de alterar decisão de segunda instância que garantiu a posse de uma candidata em concurso público. Acometida por câncer de mama, ela já havia concluído o tratamento quando foi nomeada. Apresentou atestado, relatório e perícia médica do INSS para demostrar a aptidão para o trabalho, mas o órgão tornou sem efeito a nomeação.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou abusiva a exigência do transcurso de cinco anos de sua cirurgia de retirada do tumor, como condição para posse. Para o tribunal, trata-se de fator de risco de recidiva, fator incerto e futuro, que não pode ser empecilho para a posse.
Em outro caso (AREsp 185.597), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul não teve admitido recurso em que contestava a posse – garantida pelas instâncias anteriores – de uma candidata em concurso público. Ela foi considerada inapta no exame físico, em razão do diagnóstico de câncer de mama. Obteve, depois, na Justiça, o direito de assumir o cargo, com recebimento de parcelas atrasadas. O ministro Humberto Martins destacou que o entendimento manifestado até então no processo estava de acordo com a jurisprudência do STJ, o que impediu a admissão do recurso.
Situação semelhante foi apreciada no REsp 1.042.297. A Universidade Federal de Alagoas alegava que “a pessoa portadora de neoplasia maligna necessitaria de tratamento contínuo e eficiente a fim de evitar a recidiva da doença e garantir sua sobrevivência, não podendo, portanto, desenvolver com regularidade a sua função”. A candidata havia se submetido à retirada de uma mama em razão de câncer.
O ministro Arnaldo Esteves Lima disse que rever a decisão de segunda instância, favorável à candidata, exigiria análise de provas, o que não é possível no STJ. Além disso, a divergência com casos anteriormente julgados pelo Tribunal Superior não foi demonstrada pela universidade.
Vaga em universidade
Ao julgar o REsp 1.251.347, a Segunda Turma assegurou a uma estudante acometida por câncer a transferência para outra universidade, a fim de dar seguimento ao tratamento da doença (linfoma de Hodgkin). Ela cursava Comunicação Social na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ingressou com mandado de segurança para ter garantida uma vaga na Universidade Federal de Santa Catarina, pela necessidade de estar junto aos familiares e de ter a doença sob controle.
A decisão favorável à estudante considerou necessária a observância de seus direitos fundamentais, como a saúde e a educação. Como foram tratados temas constitucionais, o ministro Herman Benjamin entendeu ser impossível rever a questão no STJ, que trata de matéria infraconstitucional. Em outro ponto, em que se alegava que a transferência constituiria burla ao vestibular, o ministro rejeitou o argumento considerando que a estudante foi aprovada no concurso para ingresso na UFSM.
Prisão domiciliar
Quando a matéria é penal, o paciente oncológico também pode receber tratamento diferenciado da Justiça. Há jurisprudência no STJ que reconhece o direito à prisão domiciliar para aquele que está acometido por doença grave, como o câncer, a ponto de não resistir ao cárcere. Foi o entendimento aplicado pela Sexta Turma ao julgar o HC 278.910. No caso, fez-se uma “substituição da prisão preventiva, calcada em motivos de ordem humanitária”.
O preso de 63 anos, sofrendo de câncer de próstata, havia sido internado, sob custódia, por 44 dias. A situação, para os ministros, preencheu a exigência legal para a concessão da prisão domiciliar, isto é, estar “extremamente debilitado por doença grave”. A Turma levou em conta a previsão da neoplasia maligna como doença grave contida na Lei 7.713, que trata da isenção de Imposto de Renda.
Em outro caso (RHC 22.537), julgado em 2008, a Turma também determinou a prisão domiciliar, mas ressalvou que o benefício deveria perdurar apenas enquanto a saúde do agente assim o exigisse, cabendo ao juízo de primeiro grau a fiscalização periódica dessa circunstância.
Fonte: STJ, 17 de nov de 2013

domingo, 30 de junho de 2013

Dom Quixote

Os conselhos de Dom Quixote a Sancho Pança, ao assumir o governo da ilha, Poderiam ter sido dirigidos aos julgadores, como se vê do trecho abaixo transcrito: 

“Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos.Procura descobrir a verdade por entreas promessas e dádivas do rico, como por entre os soluços e importunidades do pobre.Quando se puder atender à eqüidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinqüente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo.Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia.Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria e lembra-te da verdade do caso.Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres a maior parte das vezes serão sem remédio, e, se o tiverem, será à custa do teu crédito e até da tua fazenda.Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros.A quem hás de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias.Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.”
Os conselhos de Dom Quixote a Sancho Pança, ao assumir o governo da ilha, Poderiam ter sido dirigidos aos julgadores, como se vê do trecho abaixo transcrito: 

“Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos.Procura descobrir a verdade por entreas promessas e dádivas do rico, como por entre os soluços e importunidades do pobre.Quando se puder atender à eqüidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinqüente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo.Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia.Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria e lembra-te da verdade do caso.Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres a maior parte das vezes serão sem remédio, e, se o tiverem, será à custa do teu crédito e até da tua fazenda.Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros.A quem hás de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias.Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.”

domingo, 23 de junho de 2013

O BRASILEIRO MÉDIO, OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA

“Bandido bom é bandido morto!”
“Direitos humanos para humanos direitos!”
“Por que não se preocupam com os direitos humanos das vítimas?”
As frases acima são recorrentemente ventiladas Brasil afora, repetidas por compatriotas de todas as etnias, classes sociais, orientações sexuais e religiões.
Infelizmente, esses jargões, que soariam como piada para o resto do mundo (ou como plataforma de governo da Ku Klux Klan nos EUA), são parte do pensamento comum de muitos brasileiros.
Afinal, por que se sabe tão pouco sobre direitos humanos no Brasil? Por que são considerados os grandes “culpados” pela crise de segurança pública que assola o país? Essas frases têm algum fundamento? Abaixo, o texto responde essas perguntas e põe alguns pingos nos “is”.
Os “doutrinadores” leigos de direitos humanos
Os direitos humanos são uma disciplina da ciência jurídica (o direito). Portanto, estamos falando de uma disciplina universitária, abordada também em mestrados e doutorados. Portanto, para falar de DHs, é necessário, antes de mais nada, estudar!
Contudo, o brasileiro médio ouve falar de direitos humanos por duas vias principais, ambas não sérias: ou pelos jornais sensacionalistas ou pelos filmes de ação norte-americanos, nos quais Chuck Norris e companhia limitada são os heróis e os defensores dos direitos humanos, quando aparecem, são quase vilões.
É verdade que os defensores de direitos humanos no Brasil, bem como algumas associações afins, costumam ter uma falha comum: eles se fecham em seus estreitos círculos acadêmicos; não costumam se manifestar contra os ataques perpetrados por esses jornalistas de linha reacionária, tão equivocados em termos acadêmicos (é como colocar um açougueiro para falar de cardiologia), mas igualmente tão carismáticos e persuasivos à população em geral.
O Estado, por sua vez, que deveria ensinar em suas escolas noções gerais de direito (inclusive DHs), de justiça e de organização estatal, mal consegue tirar os seus estudantes do analfabetismo funcional.
Quando um Estado democrático de direito não ensina ao povo a importância da democracia, do voto, dos direitos humanos, entre outros, o próprio Estado passa a correr riscos, haja vista que a consolidação de suas instituições passa necessariamente por esse processo de conscientização da população, o que ainda é muito incipiente no Brasil.
O trabalho que esses jornalistas de linha reacionária têm feito para demonizar os direitos humanos, com a colaboração passiva dos próprios defensores dos DHs e do Estado brasileiro, é nefasto, é um desserviço ao Brasil.
Os DHs foram transformados no grande bode expiatório pelo caos da segurança pública que o Brasil tem enfrentado nas últimas décadas. E, como será demostrado a seguir, essa associação forçada não se sustenta.
O caos da segurança pública e os DHs
Se hoje a violência está fora dos padrões do que é considerado aceitável, não é por excesso de DHs, mas é pela longa ausência do Estado e dos DH nos rincões de pobreza deste país!
Quando o Estado se afasta de uma comunidade pobre, surge, com o passar do tempo, alguma forma paralela de poder. Assim, se hoje o Comando Vermelho existe, é porque o Estado do Rio de Janeiro não esteve presente nos morros cariocas por décadas; se o PCC existe, é porque o Estado de São Paulo esteve ausente de seus próprios cárceres.
Se o Estado tivesse se preocupado em mitigar essa vergonhosa desigualdade social, a criminalidade certamente não estaria tão alta como está hoje.
Pesquisas mostraram, há alguns anos, que, para cada morte violenta no rico bairro paulistano de Moema, 180 acontecem no vizinho pobre, o Grajaú.
O pobre sofre mais com a violência. E essa violência nasce da ausência do Estado nessas comunidades carentes.
Como não há policiamento efetivo e em parceria com as comunidades (nos moldes do que foi feito em Boston nos anos 90), os moradores se sentem duplamente ameaçados, seja pelos bandidos locais, seja pelos policiais, muito mal pagos e mal treinados.
Como não há Poder Judiciário presente nesses rincões de pobreza, quaisquer desavenças entre os moradores tendem a ser solucionadas pela justiça privada, ou seja, pelas próprias mãos. Assim, simples questões que poderiam ser resolvidas por um mediador ou um juiz de direito se tornam imbróglios terríveis, que terminam, muitas vezes, de forma violenta.
Como não há SEBRAE e afins nessas comunidades, com seus projetos de estímulo ao empreendedorismo, a economia desses lugares não se desenvolve. Sem empresas por lá, há menos empregos. Com mais desempregados, a possibilidade de haver mais criminosos aumenta consideravelmente.
Como não há educação de qualidade, seja para qualificar a mão-de-obra, seja para formar cidadãos, as pessoas dessas comunidades têm menos estabilidade em seus empregos, dada a pouca especialização do seu trabalho. Por outro lado, por não serem cidadãos plenos, já que não conhecem os seus direitos, tendem a ser explorados enquanto empregados e ludibriados enquanto consumidores.
Como não há saúde de qualidade, esses miseráveis não têm sequer o “direito” de ficar doentes.
Como não há Estado nesses lugares, alguém cria uma forma alternativa de poder em benefício próprio. Esse alguém se aproveita da miséria e da ausência do Poder Público para lucrar com essa desgostosa situação. Esse alguém às vezes é traficante, outras vezes é miliciano. Quem se dá mal, mais uma vez, é o pobre!
A nossa prepotência
A prepotência que nós da classe média temos para com os mais pobres é tamanha que muitas vezes sequer percebemos isso. O governo é sempre o grande culpado de tudo, como se não fosse eleito pela própria sociedade.
Na verdade, nós não estamos muito preocupados com os pobres. Nós nos lembramos deles apenas quando um pouco da violência das favelas chega até nossas casas.
E, quando chega até nós, não discutimos seriamente o assunto: simplesmente culpamos os direitos humanos e pedimos para o Estado uma solução à moda Rambo.
A questão é que para cada morto pela polícia, dois novos bandidos surgem. Isso porque esse problema, em longo prazo, não se resolve com Rambos, mas com direitos humanos e com a presença do Estado nas favelas, nos moldes ditos acima.
Direitos humanos e segurança pública não são antagônicos; são, sim, complementares.
E, para aqueles que dizem que os DHs impedem a polícia de trabalhar, deve ser lembrado que policiais, assim como quaisquer outros funcionários públicos, não estão acima da lei, e, portanto, precisam ser controlados, fiscalizados no exercício de suas funções, o que é feito por essas associações de DH.
Por outro lado, esses mesmos policiais, mal pagos e mal treinados, não podem ser considerados, assim como os DHs, únicos e grandes culpados pelo problema da violência nesse país. O problema da segurança pública nunca será solucionado apenas com o aparato repressivo do Estado! É preciso, como já dito, muito mais por parte do governo, que abandonou as favelas há muito tempo!
Os principais culpados por este caos na segurança pública são os governantes, que não se preocupam com os pobres. E eles, por sua vez, são eleitos por nós, que não nos importamos com os pobres. É, portanto, um lamentável círculo vicioso, no qual quem se dá mal, mais uma vez, é o pobre!