Páginas

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A Teoria Tridimensional do Direito

Para Miguel Reale toda experiência jurídica pressupõe sempre três elementos: fato, valor e norma, ou seja, “um elemento de fato ordenado valorativamente em um processo normativo". O Direito não possui uma estrutura simplesmente factual, como querem os sociólogos; valorativa, como proclamam os idealistas; normativa, como defendem os normativistas. Essas visões são parciais e não revelam toda a dimensão do fenômeno jurídico. Este congrega aqueles componentes, mas não em uma simples adição. Juntos vão formar uma síntese integradora, na qual "cada fator é explicado pelos demais e pela totalidade do processo".
As Lebenverhaltnis - relações de vida - são a fonte material do Direito. Ao disciplinar uma conduta, o ordenamento jurídico dá aos fatos da vida social um modelo, uma fórmula de vivência coletiva. Seja uma norma jurídica: "É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador" (art. 1.175 do C. Civil). O fato - uma dimensão do Direito - é o acontecimento social referido pelo Direito objetivo. É o fato interindividual que envolve interesses básicos para o homem e que por isso enquadra-se dentro dos assuntos regulados pela ordem jurídica. No exemplo citado, o fato é a circunstância de alguém, possuidor de bens, desejar promover a doação de seu patrimônio a outrem, sem reservar o suficiente para o custeio de suas despesas. O valor é o elemento moral do Direito, é o ponto de vista sobre a justiça. Toda obra humana é impregnada de sentido ou valor. Igualmente o Direito. No caso analisado, a lei tutela o valor vida e pretende impedir um fato anormal e que caracterizaria uma situação sui generis de abuso do direito. A norma consiste no padrão de comportamento social, que o Estado impõe aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas circunstâncias. No exemplo do art.1.175, a norma expressa um dever jurídico omissivo. A conduta imposta é a de uma abstenção. Fato, valor e norma acham-se intimamente vinculados. Há uma interdependência entre os três elementos. A referência a um deles implica, necessariamente, a referência aos demais. Somente por abstração o Direito pode ser apreciado em três perspectivas:
a) o Direito como valor do justo: pela Deontologia Jurídica e, na parte empírica, pela Política Jurídica;
b) como norma jurídica: Dogmática Jurídica ou Ciência do Direito; no plano epistemológico, pela Filosofia do Direito;
c) como fato social: História, Sociologia e Etnologia Jurídica; Filosofia do Direito, no setor da Culturologia Jurídica.
O Direito, para Reale, é fruto da experiência e localiza-se no mundo da cultura. Constituído por três fatores, o Direito forma-se da seguinte maneira: Um valor - podendo ser mais de um - incide sobre um prisma (área dos fatos sociais) e se refrata em um leque de normas possíveis, competindo ao poder estatal escolher apenas uma, capaz de alcançar os fins procurados. Um valor, para Miguel Reale, pode desdobrar-se em vários dever-ser, cabendo ao Estado a escolha, a decisão. O jusfilósofo salienta que toda lei é uma opção entre vários caminhos. Contesta, porém, o decisionismo, que erra ao exagerar o poder de escolha. Em relação ao fato, acentua que nunca é um fato isolado, mas um "conjunto de circunstâncias".
Em sua concepção; o fenômeno jurídico é uma realidade fática axiológico-normativa, que se revela como produto histórico-cultural, dirigido à realização do bem comum. Ao mesmo tempo que rejeita o historicismo absoluto, não admite valores que sejam meta-históricos. A pessoa humana, fundamento da liberdade, é um valor absoluto e incondicionado. A ênfase que dá à experiência não exclui uma concepção de Direito Natural em termos realistas. Apesar de sua natureza dinâmica, o Direito possui um núcleo resistente, uma constante axiológica, invariável no curso da história.
O autor da Teoria Tridimensional definiu o Direito como "realidade histórico-cultural tridimensional, ordenada de forma bilateral atributiva, segundo valores de convivência". O Direito é fenômeno histórico, mas não se acha inteiramente condicionado pela história, pois apresenta uma constante axiológica. O Direito é uma realidade cultural, porque é o resultado da experiência do homem. A bilateralidade é essencial ao Direito. A bilateralidade-atributiva é específica do fenômeno jurídico, de vez que apenas ele confere a possibilidade de se exigir um comportamento.

Fragmento do Livro: Introdução ao Estudo do Direito, de Paulo Nader. Editora Forense.

Nenhum comentário:

Postar um comentário