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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Fichamento de A República, de Platão.

O próprio título da obra, Politéia, pode trazer embaraço quanto ao conteúdo, se não for esclarecido. Traduzida comumente pelo latim República (de respública = coisa pública), politéia indica tudo aquilo que compõe a origem e organização da Polis, as suas leis, o modus agendi de seus súditos, as formas de governo, etc. Devido a essa abrangência de significados, os temas tratados são os mais variados. Decorre daí a quase impossibilidade de uma resenha completa.

Livro I - aponta Sócrates obrigado a pernoitar na casa de Polemarco e aí inicia seu diálogo com Céfalo. Primeiro, é Céfalo que o convida a vir mais vezes a ter com os filhos Polemarco, Lísias e Eutidemo. Em tom respeitoso, Sócrates pergunta sobre a velhice, ao qual Céfalo responde sobre as agruras da senectude e, citando Sófocles, indica que o mal não é a velhice em si. Ser velho ou jovem tudo depende do caráter: “Quando se possui boa índole e mente bem equilibrada, a própria velhice não é algo incompactável. Os que são diversamente constituídos, esses acham a mocidade tão tediosa quanto à velhice”. (329 d)
Logo Sócrates conduz o diálogo ao seu objetivo primeiro: definir o que é a justiça (Dikaiosyne), e é Céfalo a dar a primeira definição: “Justiça é dizer a verdade e restituir o que se tomou” (331c). Céfalo se retira do diálogo deixando o posto ao seu filho herdeiro Polemarco. Este define a Justiça como “dar a cada um o que lhe é devido”; Sócrates o retruca com ironia: deve-se restituir algo a alguém que está fora do juízo? Adiante, faz ainda Polemarco afirmar que “a Justiça é favorecer aos amigos e prejudicar os inimigos”, ao que o próprio Sócrates rebate: “Se alguém disser que a Justiça consiste em restituir a cada um aquilo que lhe é devido, e com isso quiser significar que o homem justo deve fazer mal aos inimigos, e bem aos amigos – quem assim falar não é sábio, porquanto não disse a verdade. Efetivamente, em caso algum nos pareceu que fosse justo fazer mal a alguém” (335e).
A esta altura do diálogo, entra em cena o sofista Trasímaco que, após cobrar pela discussão, define a justiça como “o interesse do mais forte”. Algo que depende do interesse de quem governa. Tirando assim, como sofista que era, toda dimensão ética da justiça (338c).
A definição de justiça ocupará ainda os livros II, III e IV. Sócrates alarga o campo da discussão, não relaciona a justiça com o cidadão, mas a coloca no contexto da cidade. Entram em cena Glauco e Adimanto, irmãos “corajosos” de Platão. Estes tentam demonstrar a bondade intrínseca da virtude (justiça) e não só os seus efeitos. A esta altura, Sócrates estabelece a origem da Polis a partir “do fato de cada um de nós não ser autossuficiente, mas sim necessitado de muita coisa” (369b). Apontando os profissionais necessários para suprir todas as exigências de uma cidade, descreve como uma cidade minúscula tornar-se-á grande e luxuosa, com a necessidade de classes de cidadãos especializados em seus ofícios. Dá-se início a um dos temas relevantes da República: a educação.
Sócrates fala primeiro do aprimoramento da educação dos soldados que se dará através da “ginástica para o corpo e da música para a alma” (276c), iniciando pela música. Deve-se peneirar as letras das músicas (poesia, fábulas) porque estas contêm somente parte da verdade e com isso deturpam a alma; portanto, devem sofrer uma censura constante, inclusive a Ilíada (379...), onde atribui-se aos deuses tanto o bem quanto o mal. Este tipo de poesia deverá ser banida da educação dos futuros guardiões (383c). Não só a poesia/música, mas todas as demais artes deverão ser vigiadas. Esta censura constitui parte do livro III.

Livro IV - Sócrates, dando por fundada a cidade, questiona: “onde poderá estar à justiça, e onde a injustiça, e em que diferem uma da outra” (427 d). Para vir à tona o lugar da justiça, enumeram-se as virtudes que uma cidade perfeita deve possuir; estas formam uma “sinfonia”- em primeiro está à sabedoria (Sofia), virtude dos que governam; segue-se a coragem (Andréia), que é a virtude dos guerreiros: “É, pois, uma força desta ordem, salvação em todas as circunstâncias de opinião reta e legítima, relativamente às coisas temíveis e às que não o são, que eu chamo coragem e tenho nessa conta, se não tens nada a opor.” (430b) Vem em seguida a temperança (sofrosine). É a virtude de toda a cidade, e não de uma classe específica; consiste na ordenação, no domínio diante dos excessos, é “a concórdia, harmonia entre os naturalmente piores e os naturalmente melhores, sobre a questão de saber quem deve comandar, quer na cidade, quer num indivíduo” (432a). Por último, surge a mais importante das virtudes e causa das demais: a justiça (Dikaiosyne). “E esta consiste em que cada um realize a função para a qual a sua natureza for mais adequada” (433 a-b-c-d).

 “Lembras-te daquele princípio original em que sempre insistíamos durante a fundação da cidade: o de que um homem deve atender a uma coisa só, isto é, aquilo para que a sua natureza está melhor dotada? Pois a justiça é este princípio... Podemos presumir que, de certo modo, a justiça consiste nisso: em fazer cada qual o que lhe compete... Esta é a causa primeira e condição de existência de todas as outras três virtudes, e que as conserva enquanto nelas subsiste”. (433 a-b-c).

Livro V - a pedido de Polemarco, Sócrates retoma o tema já mencionado (423 e 424) da “posse comum das mulheres e filhos entre os guardiões” (449d). Preocupado com a purificação da raça (eugenia) e com o adestramento (eutenia), propõe para tal fim, que as mulheres dos guardiões “se revestirão de virtude em vez de roupa” (457a-b), participarão das agruras da guerra em defesa da cidade, praticarão ginástica e música. “Estas mulheres todas serão comuns a todos esses homens, e nenhuma coabitará em particular com nenhum deles; e, por sua vez, os filhos serão comuns, e nem os pais saberão quem são os seus próprios filhos, nem os filhos os pais”. (457d).
Todo esse processo eugênico tem por fim a realização do Estado Ideal, governado por filósofos e guardiões que jamais deverão se distrair de suas principais ocupações. Obstinado em tal propósito, Sócrates chega a excluir qualquer valor ao amor materno ou paterno, antepondo sempre os objetivos do Estado (460-461). Admite-se o aborto e o infanticídio quando ocorrerem concepções fora do estabelecido pelo Estado (461c)

Livro VII - tratar-se-á da educação do futuro governo-filósofo. Todas as quatro virtudes (sabedoria, coragem, temperança e justiça) sobre as quais deve ser construído o Estado Ideal, só são conhecidas, úteis e valiosas a partir da idéia de Bem. Assim, a idéia do Bem constitui-se no mais alto saber, ao qual os guardiões devem aspirar e serem conduzidos. É mediante tal idéia que tudo se torna compreensível: “... No limite do cognoscível é que se avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto de justo e belo há; que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para ser sensato na vida particular e pública” (517 a-b-c).

Mas, para que o guardião, futuro filósofo-rei, atinja o Bem, é preciso “sair da caverna e contemplar o Sol”. É no livro VII que está a “alegoria da caverna”, a mais sugestiva imagem da República, que trata dos níveis
do conhecimento humano (514-a. 518-b).

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